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O chacal e a girafa nas Câmaras de Mediação, Conciliação e Arbitragem

09/12/2019

A comunicação não-violenta, conhecida como CNV, é hoje uma das principais ferramentas usadas no mundo na gestão de conflitos.

 

Júlia Ângela Abritta*

 

O psicólogo americano Marshall Bertram Rosenberg (1934-2015) deixou ao mundo um importante legado para a solução de conflitos por meio do método que criou e desenvolveu de Comunicação Não-Violenta (CNV) e que tem na empatia o seu principal ativo. Hoje, com a regulamentação das Câmaras de Mediação, Conciliação e Arbitragem, por meio de leis que visam dar maior celeridade aos conflitos que acabam congestionando o Poder Judiciário, a Comunicação Não-Violenta ganhou profunda importância e já é usada em diversos países e em todos os continentes para solucionar disputas que comprometem a qualidade de vida dos envolvidos e que podem chegar a um bom termo por força do diálogo.

Rosenberg desenvolveu um método onde todos têm voz para se buscar acordos que celebrem a qualidade de vida e o respeito mútuos. Uma ação afirmativa que se baseia na forma em que são ouvidas as partes e, com elas, costuradas soluções duradouras. No caso específico das Câmaras, juridicamente e legalmente aceitas.

Para tal, a CNV, como é conhecida por profissionais que atuam na gestão de conflitos, realça a importância de que as ações sejam efetivamente representativas dos valores comuns dos envolvidos, com o mediador exercendo o importante papel de avaliar alguns itens chaves para o sucesso da sua ação/intervenção, seja no campo pessoal ou coletivo:

 

•               Distinção entre observações e juízos de valor

•               Distinção entre sentimentos e opiniões

•               Distinção entre necessidades (ou valores universais) e estratégias

•               Distinção entre pedidos e exigências/ameaças.

 

Segundo Rosenberg, essas distinções tendem a evitar dinâmicas classificatórias, dominatórias e desresponsabilizantes, que rotulem ou enquadrem os interlocutores ou terceiros. Dessa foma os acordos formais ou mesmo informais resultantes do diálogo tendem a ser perenes. No caso das Câmaras têm ainda a vantagem de, uma vez lavrados, serem aceitos legal e juridicamente, garantindo, assim, a longevidade do documento assinado, de comum acordo entre as partes.

Para o psicólogo que até o fim da vida mediou conflitos em regiões assoladas por guerras como  Sérvia, Croácia e Ruanda, essa estratégia serve ainda para apaziguar combates verbais no dia a dia e, cada vez mais presentes hoje nas redes sociais porque, na maioria das vezes, não nos colocamos no lugar do outro, apenas os julgamos de acordo com nossos valores, que podem ser sociais, religiosos e/ou políticos, desprezando as diferenças entre eles e o do outro que também tem seus valores, seu juízo de valor.

O segredo, segundo Rosenberg, para romper essas situações antagônicas reside na maneira como falamos e ouvimos os outros, pois é nesse momento, quando temos ideias pré-concebidas ou carregadas de pré-conceitos que acentuamos conflitos, que deixamos transparecer poder e arrogância ou o contrário: falsa subordinação resultante do medo de retaliação. Situações que só são evitadas quando nos colocamos no lugar do outro, buscamos entender seus sentimentos, inclusive seus temores e suas certezas. Escutamos mais do que falamos e, assim, falamos buscando sistematizar o que o outro entende como sendo o certo ou o errado. Nessa esfera, é possível abrir um canal de diálogo, ponderar, e, o mais importante, construir uma ponte com o outro em vez de um muro.

Rosenberg usava sempre, em suas palestras e livros, o exemplo do chacal e da girafa. O primeiro representa um comportamento violento, de ataque ou defesa, algumas vezes de fuga da responsabilidade de uma situação porque não a domina, não consegue enxergar toda a planície onde está situado. Já a girafa é o animal que tem o coração mais aberto, por enxergar mais longe, tem como ver a situação do outro com mais clareza dentro do sistema, do universo, do meio ambiente em que habitam. Então, a girafa acaba tendo maior compreensão das agruras imediatas do outro. Ela, de fato, ao ver mais longe tem o poder de mediar, de conciliar e de arbitrar com mais isenção, com mais transparência por força da visibilidade com que enxerga o outro e as realidades ao redor onde ele se insere.

Para o psicólogo, o homem muitas vezes age como o chacal, que rotula, julga e condena por não ver ao longe, por não ter desenvolvido essa capacidade de uma comunicação não-violenta, justamente porque enxerga os demais animais como a si mesmo. O que não o impede de que seja convidado a ver com mais clareza, mais transparência quando estabelece o diálogo com a girafa e esta, em troca, o apresenta uma realidade ampliada, uma nova forma de se portar e ver o mundo.

É por meio de uma ferramenta tão poderosa como a CNV que poderemos, juntos, enquanto sociedade e cidadãos que atuam na busca constante com qualidade de vida e convivência pacífica, que vamos construir novas pontes, novas realidades, fazendo a diferença na vida de todos. Deixando para trás a selva, onde há medo e temor, chegamos à relva, onde a confiança e a parceria se estabelecem e são duradouras.

Uma ferramenta essencial para as Câmaras de Mediação, Conciliação e Arbitragem.

*Júlia Ângela Abritta, mediadora judicial na Mediar Primeira Câmara de Mediação, Conciliação e Arbitragem de Uberlândia.

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